Vasco da Gama

Vasco da Gama: a descoberta do caminho marítimo para a Índia
"Eu, Vasco da Gama, que ora por mando de vós, mui alto e muito poderoso rei, meu senhor, vou descobrir os mares e terras do oriente da índia, juro em o sinal desta cruz, em que ponho as mãos, que por serviço de Deus e vosso, eu a ponha hasteada e não dobrada, ante a vista de mouros, gentios, e de todo o género de povo onde eu for, e que por todos os perigos de água, fogo e ferro, sempre a guarde e defenda até à morte. E assim juro que na execução e obra deste descobrimento que vós, meu rei e senhor, me mandais fazer, com toda a fé, lealdade, vigia, e diligência eu vos sirva, guardando e cumprindo vossos regimentos que para isso me forem dados, até tornar onde ora estou ante a presença de vossa real alteza, mediante a graça de Deus em cujo serviço me enviais." Vasco da Gama in “Décadas da Ásia”

O nome de Vasco da Gama está fundido para sempre com a história da expansão portuguesa no Oriente. Realizou três viagens à Índia, todas elas com diferentes missões. Na primeira, como navegador e embaixador; na segunda, como conquista­ dor e negociador e, na terceira, como administrador e político. Antes de ser escolhido por D. Manuel para comandar a armada do Descobrimento, Vasco da Gama era apenas um fidalgo da casa de el-rei, filho de Estêvão da Gama, alcaide-mor de Sines. Foi nessa localidade que a tradição fixou o seu nascimento, no ano de 1469. Segundo alguns investigadores e biógrafos, Vasco da Gama teve toda uma preparação náutica desde a adolescência, e aprendeu noções de Matemática, Astronomia e Cosmografia, assim como o manuseamento da bússola e do astro lábio, imprescindíveis na navegação astronómica. Aqueles que o conheceram referem a sua tenacidade, o admirável poder de decisão e uma vontade inquebrantável. Os relatos históricos confirmam todas estas características da sua personalidade.

A rota marítima para a Índia
Foram escolhidas três naus: a "S. Gabriel", comandada por Vasco da Gama e tendo como piloto Pêro de Alenquer; a "S. Rafael", comandada por Paulo da Gama, o irmão mais velho de Vasco da Gama; e a "Bérrio", nome do respectivo piloto e comandada por Nicolau Coelho. Acompanhou-as, ainda, um navio de mantimentos, destinado a ser queima­ do em momento oportuno. O rei D. Manuel assistiu, em Belém, à partida da expedição, na certeza antecipada do seu triunfo. Era um sábado, dia 8 de Julho de 1497. Vasco da Gama partia com funções de embaixador, levando cartas régias para o samorim de Calecute, propondo uma aliança política e comercial.
A 27 de Julho, a frota, de 148 homens, apartou em Cabo Verde, reunindo-se os navios que o nevoeiro dispersara. A 3 de Agosto, levanta ferro e segue em direcção à Serra Leoa, onde a nau de Bartolomeu Dias, que acompanhava a armada desde Lisboa, se afastou, conforme o previsto, para S. Jorge da Mina. Em vez de costear a costa africana, a esquadra lança-se no mar largo, onde os mareantes tinham andado durante Agosto, Setembro e Outubro, com o objectivo de evitar os ventos e as correntes desfavoráveis. Segundo Gago Coutinho, com esta rota do mar largo, Vasco da Gama obteve "o total descobrimento do mar", pois a esquadra chegou a aproximar-se da costa brasileira. Por fim, fazem escala na baía de Santa Helena, onde Vasco da Gama desembarcou pela primeira vez desde que deixara a ilha de Santiago. Aí, calcula a latitude, tomando a altura do Sol com o grande astro lábio náutico, numa operação impossível de realizar a bordo de­ vido à falta de estabilidade.
A partida dá-se, então, a 16 de Novembro, sendo dobrado o cabo da Boa Esperança e ancorando, poucos dias depois, na angra de S. Brás, onde é queimada a nau de mantimentos e onde se estabelecem contactos amistosos com os indígenas: "Ao sábado, vieram obra de 200 negros, entre grandes e pequenos, e traziam obra de doze reses, entre bois e vacas, e quatro ou cinco carneiros; e nós, como os vimos, fomos logo em terra. ( ... ) E o capitão-mar mandou tanger as trombetas e nós, em os batéis, bailávamos, e o capitão-mar de volta connosco", in "Roteiro da Viagem de Vasco da Gama", de Álvaro Velho. Depois de dançar com os seus homens, o jovem capitão prossegue viagem. Passa pelo rio do Cobre e pela foz do Zambeze. A 2 de Março de 1498, chega a Moçambique, mas, prudente e desconfiado, só voltará a desembarcar em Calecute. A 7 de Abril, é Mombaça que é atingida e, aí, é por muito pouco que escapam à traição. Vasco da Gama começa a perceber que é necessário recorrer à artilharia de bordo para amedrontar os inimigos. Dias depois, em Melinde, recebe a deferência do sultão local, o qual visitou as naus e colocou à disposição dos visitantes um piloto árabe que os guiou na travessia do Índico, de Melinde à costa do Malabar, em 23 dias. Os portugueses chegam por fim a Calecute, a 20 de Maio de 1498. Iria começar a busca de cristãos e especiarias.
Vasco da Gama, contra a vontade dos capitães e de Paulo da Gama, que temiam pelas suas vidas, fez questão de ser ele próprio a desembarcar, levando consigo 12 homens: "Eu, ainda que saiba morrer, não hei-de deixar de me ver com el-rei de Calecute para ver se posso assentar com ele amizade e trato, e haver especiarias e outras coisas de sua cidade para que sejam testemunhas em Portugal que o descobrimento de Calecute foi verdadeiro", in "História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses", de Femão Lapes de Castanheda. O samorim de Calecute acolhe com desdém os presentes do capitão­ mor, o qual se viu obrigado a responder que não era mercador mas embaixador.
Convencido de encontrar cristãos no Oriente, Vasco da Gama, deslumbrado pela novidade, confunde um pagode de ídolos locais com uma igreja. As ilusões são mantidas pelo rei local, acabando o capitão-mor por se ver numa situação de sequestrado, da qual só por sorte e com o apoio do irmão conseguiu desenvencilhar-se e regressar à nau.
O Caminho Marítimo para a índia - Viagem de Regresso
Levava consigo uma carta do samorim para D. Manuel, a qual considera o objectivo principal da viagem, iniciando o regresso a 29 de Agosto de 1498. Durante três meses, os seus homens enfrentam tempestades e um segundo ataque de escorbuto, mais violento que o que ocorrera na viagem de ida para a Índia. Em Melinde, a "S. Rafael" é queimada por já estar velha e ter poucos tripulantes. Paulo da Gama junta-se ao irmão na nau "S. Gabriel", mas, acometido de súbita e grave doença, vê-se obrigado a ancorar na ilha de Santiago. Vasco esquece o tão desejado momento de levar ao rei as riquezas da Índia, e apenas se preocupa em salvar a vida de Paulo. Freta uma caravela para velejar melhor de Cabo Verde a Lisboa, mas, vendo o irmão agonizante, ruma aos Açores, ancorando na ilha Terceira. É aí que a morte vai ao encontro de Paulo da Gama - vítima das privações e sofrimentos suportados durante a viagem ­ um dia depois de ter chegado, sendo sepultado no Convento de S. Francisco. Devido ao funeral do irmão, Vasco da Gama é o último a chegar a Lisboa.
Esta viagem foi espantosa para a época em que se realizou, da qual resultou a confirmação, perante o Mundo, do avanço da ciência náutica portuguesa. Ciente de tal facto, o rei concedeu o título de Dom a Vasco da Gama, com direito de transmissão aos irmãos e descendentes, desde que estes usassem sempre o apelido Gama. Além disso, foi nomeado almirante da Índia, com todas as honras, proeminências, liberdades, poder, jurisdição, rendas, foros e direitos desse almirantado. D. Vasco da Gama casa, então, com D. Catarina de Ataíde, filha do 1. Q conde da Castanheira e, em 1502, parte numa segunda viagem à Índia, a última que comanda no reinado de D. Manuel, destinada a exigir do samorim a reparação pelas afrontas sofridas pelos portugueses em 1500, quando a segunda nau, comandada por Pedro Álvares Cabral, chegou à Índia: roubo da feitoria e chacina dos homens que por lá ficaram.
D. Vasco da Gama já não é embaixador, mas aquele que vai consolidar relações comerciais e estabelecer feitorias. O rigor com que defronta os inimigos estava de acordo com a mentalidade da época, mostrando­se implacável para com um espião enviado pelo samorim à nau: "Mandou cortar ao brâmane os beiços de cima e de baixo, que lhe apareciam todos os dentes, e mandou cortar as orelhas a um cão da nau, e as mandou apegar e coser com muitos pontos ao brâmane no lugar das outras, e o mandou na almadia que se tomasse a Calecute."
Se em Calecute foi alvo de várias ciladas, já em Cochim foi bem acolhido, assinando um tratado de comércio com o rei. Quando parte de Cananor, a sua fama de negociador e diplomata merecem-lhe, entre os reis da Índia, o cognome de "Boa Estrela". Ao regressar a Lisboa, recebe novas mercês mas aborrece-se com o rei, que o ex­ pulsa de Sines, chegando ao ponto de pedir a D. Manuel que o deixe abandonar o reino com a mulher e os filhos, recordando a pro­messa do título de conde não cumprida. É D. Jaime, sobrinho do monarca, que intercede a seu favor, pedindo autorização a D. Manuel para transferir, mediante preço estipulado, as suas vilas da Vidigueira e de Vila de Frades e facilitando, assim, a concessão do título de conde da primeira vila ao descobridor. Apesar de todas as honras, sente­ se marginalizado pelo monarca.
Vinte anos após o regresso da segunda viagem, decide ir uma terceira e derradeira vez à Índia, já no reinado de D. João III. Foi como se D. Manuel o tivesse castigado, reduzindo o seu estatuto de herói ao do mero cortesão, apenas interessado em benesses, e é só com D. João III que vê ser-lhe concedido o título de vice­rei da Índia. A 9 de Abril de 1524, Gama parte para a Índia com uma armada de 14 velas. O "ínclito capitão" acaba por morrer em Goa, na noite de Natal desse mesmo ano, após combater os abusos dos que chegavam à Índia apenas na ânsia de enriquecer. O vencedor do Índico era, finalmente, derrotado pela morte.
As suas ossadas foram trasladadas para o Convento de Nossa Senhora do Carmo, na Vidigueira, em 1539. Mas é no Mosteiro dos Jerónimos - onde rezou antes e depois do seu grande feito - que, desde 1898, repousa o herói dos Descobrimentos.

1 comentário:

  1. Li com muito gosto.
    É bom que não se perca a história de Portugal da qual os nosso jovens andam tão afastados.
    Um abraço
    Jorge

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