Os navegadores do Sertão - a conquista da Amazónia

Pedro Teixeira e Raposo Tavares

Duas expedições, a de Pedro Teixeira e a de Raposo Tavares, autênticas epopeias, foram decisivas na conquista da Amazónia. O primeiro teve o mérito de ampliar uma pátria, já de si grande. O segundo partiu de São Paulo, cruzou o território brasileiro de Leste a Oeste, alcançou a Bahia e, do Nordeste para Norte, atingiu o Amazonas, por ele descendo até Belém.

A viagem de Pedro Teixeira na Amazónia constitui um grande feito, e os seus escritos - com informações preciosas relativas à navegação fluvial através do rio Amazonas ­ confirmam uma extraordinária obra de geo­grafia viva, tendo ele registado todas as par­ticularidades, os usos e costumes das centenas de tribos e a abundância em que viviam.
Foi Pedro Teixeira que demarcou a mais extensa região do Brasil, país que, no séc. XVII, era uma colónia portuguesa. Desco­berto em Abril de 1500 por Pedro Álvares Cabral, foi D. João III que, 34 anos mais tarde, dividiu o território em 15 capitanias hereditárias, cuja posse efectiva e colo­nização era exercida por donatários. Embora na condição de vassalos régios, estes tinham amplos poderes e deveres.
Cabia-lhes empreender o conhecimento do território e dos rios e fixarem os colonos para a defesa e exploração da terra, expulsando os estrangeiros do litoral. Os bandeirantes, por seu lado, em finais do séc. XVI e princípios do séc. XVII, procediam a expedições no interior de um continente desconhecido, com a colaboração de nativos, indispensável à orientação na selva e no sertão. Ao lado dos índios escravos e dos libertos havia tupis e guaranis livres (que nunca haviam sido escravos) e que constituíam um elemento fundamental das "bandeiras". Cada uma podia ser constituída até ao máximo por algumas centenas de brancos e mestiços e por 4.000 ou mais índios.
Porém, sobre estes "navegadores do ser­ tão" não se escreveram as façanhas nem se encarregaram os especialistas de os "pôr em crónica" ... Adversários confessos dos jesuítas, os textos destes sempre foram tendenciosos na apreciação dos aventureiros. Alguns chegaram ao Peru e ao Paraguai, entrando em choque com as autoridades e os interesses espanhóis. Pedro Teixeira alcan­çou Quito, no Equador. A sua importante expedição integraria a Amazónia no mundo geográfico brasileiro.
Pedro sem medo
O intrépido militar nasceu em 1570, em Cantanhede, distrito de Coimbra (Portugal). De ascendência nobre, era cavaleiro da Ordem de Cristo e fidalgo da Casa Real. A sua mulher, Ana da Cunha, era filha do sargento­-mor Diogo de Campos Moreno.
Em 1607, Pedro Teixeira vai para o Brasil, onde se distingue na luta contra os franceses em São Luís do Maranhão. Nas expedições militares em que participa, mostra-se corajoso e determinado. Nomeadamen­te quando, a 7 de Agosto de 1616, comandou uma expedição para punir um navio holandês que se encontrava no Amazonas: "Atacou a embarcação, por abalroamento, no dia 9 de Agosto e após luta renhida acabou por ven­cer. Mesmo ferido, mandou incendiar o na­vio, retirou-lhe a artilharia e voltou a Belém para o Forte do Presépio. Graças a este feito, foi promovido ao posto de capitão, por despacho régio de 28 de Agosto de 1618."
Foi também ele que chefiou uma expe­dição para destruir o forte holandês Mandiutuba, nas margens do rio Xingú. Com 50 sol­dados e 700 índios guerreiros, atacou simul­taneamente por terra e pelo rio. No final da noite, o forte já estava nas suas mãos ...
Mas a sua expedição memorável, aque­la que o iria tornar célebre, ocorreu em 1637. Era necessário alargar a soberania por­tuguesa à maior parte da bacia amazónica. Pedro Teixeira foi escolhido pelo gover­nador e capitão do Maranhão e Grão-Pará, Jácome Raimundo de Noronha. Sem dú­vida, por ser valente, prudente e conhece­ dor do rio e da selva amazónica. Ao aceitar o desafio, recebeu a patente de capitão-mor e general de Estado, com plenos poderes para realizar tão espinhosa missão. Porém, nos preparativos para a expedição, Pedro Teixeira gastou grande parte da sua fortuna.
De Cametá a Quito
Foi a 28 de Outubro de 1637 que Pedro Teixeira partiu de Cametá, comandando uma expedição oficial, através de um rio (acreditava-se) dominado por mulheres ca­valeiras e guerreiras: o rio das Amazonas. Rio acima, esta viagem daria ao Brasil a sua mais extensa região: a Amazónia. A incursão, considerada por muitos como a maior façanha do sertão, contava com 70 canoas, sendo 47 de grandes di­mensões, 70 soldados portugueses e 1.200 índios guerreiros, acompanhados pelas res­pectivas mulheres e filhos, o que perfazia um total de 2.000 seres humanos.
Em Dezembro, apartaram no Alto Ama­zonas, numa ilha desconhecida e grande, que Pedra Teixeira denominou de "Ilha das Areias". No início de Janeiro de 1638, Teixei­ra descobriu o rio Negro, citando na sua obra que encontrou muitos índios; "Pelo que vi, as terras prometem muita fertilidade nas aldeias dos índios com quem comuniquei, tantos que não me atrevo a enumerá-los; é gente de guer­ra, mais política que a que encontrei anterior­ mente; em seu poder achei alguns pedaços de prata metidos em paus que traziam nas orelhas ( ... ) deixei todos os habitantes contentes e sa­tisfeitos, após oferecer-lhes achas, anzóis, valo­res e pentes, e outras coisas por me parecer isso conveniente para o serviço de S.M. pelo muito que aquelas terras prometem."
As trocas com os índios foram efectua­ das mais do que uma vez, apesar de o explorador encontrar tribos onde todos usavam "uma flecha furada muito venenosa que, se ferir alguém, nem os que a usam conhecem a cura" e de todos serem "antropófagos, co­mendo-se uns aos outros sem problemas" ... Viajar a remos e contra a corrente criou en­tre a tripulação princípios de rebeldia. Pelo que Pedro Teixeira mandou o coronel Bento de Oliveira, com oito canoas, 20 solda­dos e 150 índios ir à frente e servir de guia.
A 3 de Julho, Pedro Teixeira alcançou a foz do Napo (hoje território colombiano), onde se encontrava Bento de Oliveira à sua espera: "Os omagua ocuparam o rio em lon­gitude cerca de cem léguas ( ... ) é gente muito antropófaga ( ... ) só usam a carne hu­mana e usam como troféu os crânios dos que matam, que penduram nas suas casas, e são tão grandes comedores que têm os corpos ro­bustos, andam todos despidos ( ... ) A fertili­dade do Rio Napo é enorme porque tem imensa variedade de peixes, muita carne do monte, imensa juca, muitos frutos de dife­rentes castas e grande número de tartarugas."
Juntos, seguiram até à confluência do Napo com o Aguarico. A 15 de Agosto, chegaram a Payamino, afluente do Napo, viajando a cavalo, em mula ou mesmo a pé. A 14 de Agosto chegaram a Payaunio, no Peru, seguindo por terra até Quito e, a primei­ra coisa que fizeram, entre um cortejo triunfal, foi rezar um Te Deum em acção de graças pelo êxito da viagem, no Santuário de Nossa Senhora de Guápulo. Enquanto aí perma­neceu, o explorador elaborou a sua "Relação", pedindo no final da mesma que acreditassem no seu relato: "E todo o conteúdo desta re­lação certifico e juro pelos santos Evangelhos, deve passar tudo por verdade por tê-lo andado e visto com os meus olhos e recordo muitas coisas, não querendo parecer fantasioso."
Ao tomar conhecimento da chegada da expedição a Quito, o vice-rei do Peru (a colónia espanhola de Quito estava ligada ao vi­ce-reinado de Lima) ordenou que Pedro Tei­xeira regressasse a Belém, a fim de impedir qualquer projecto holandês pela via fluvial que havia sido aberta. E ordenou que Teixei­ra fosse acompanhado por uma pessoa de confiança, para conhecer o caminho e relatá-lo em Espanha ao Conselho das Índias. O escolhido foi o frei Cristobal D'Acuna.
A 16 de Fevereiro de 1639, iniciou-se o regresso a Belém, tendo Pedro Teixeira escolhido um caminho mais curto. A 15 de Agos­to, o explorador fundou a povoação de Fran­ciscana (hoje Tabatinga), na margem esquer­da do rio do Ouro, em homenagem aos dois franciscanos sacrificados pelos índios encabe­lados e em nome da coroa de Portugal.
A 12 de Dezembro, após 26 meses de viagem, a sua comitiva chegou a Belém. Estava consumada a ligação entre Quito e Be­lém nos dois sentidos. A totalidade do rio Amazonas pertencia aos portugueses.
Acumulado de honrarias, recebeu o títu­lo de capitão-mor do Grão-Pará e Filipe IV (III de Portugal) concedeu-lhe o título de marquês de Aquella Blanca. No dia 1 de Dezembro desse mesmo ano, Portugal libertava­-se do domínio espanhol. Pedro Teixeira pre­parava-se para regressar à pátria mas foi sur­preendido pela morte, a 6 de Junho de 1641. O maior vulto militar do Brasil colonial, aque­le que preparou a futura penetração e domínio português na Amazónia, está sepultado na Igreja Matriz - Catedral de Belém, no Brasil. Por terras lusas, uma estátua da autoria de Celestino Alves André homenageia o herói, em Cantanhede, num largo que tem igualmente o seu nome.
Jesuítas para a rua
Outro grande desbravador da região foi An­tónio Raposo Tavares (1598-1658). Saindo de São Paulo, em 1648, pela tradicional via de acesso do rio Tietê, atingiu o rio Paraguai, depois o Guaporé, o Madeira e finalmente o Solimões-Amazonas, o qual navegou até Gurupá, no actual estado do Pará, de onde regressou a São Paulo. Três anos foram consumidos nesta jornada reveladora do espírito aventureiro do bandeirante.
"Temos de expulsar-vos de uma terra que é nossa, e não de Castela", dizia Raposo Tava­res, aos espanhóis, para anexar terras ao Brasil. Aquele que se destacou nas lutas contra os holandeses, nasceu em Beja, no Alentejo, por volta de 1598. Filho de Fernão Vieira Tavares, governador da capitania de São Vicente, foi para o Brasil em 1618 e radi­cou-se em São Paulo, em 1622.
As bandeiras de Raposo Tavares desti­navam-se primordialmente a aprisionar indígenas mas asseguraram também a presença portuguesa, evitando a ampliação do domí­nio espanhol. A sua primeira expedição, em 1627, seguiu para Guaíra. Visava expulsar os jesuítas espanhóis e anexar terras ao Brasil.
De regresso a São Paulo, exerceu cargos políticos, sendo excomungado pelos jesuítas e deposto pelo governador. Acabou absolvi­ do e reposto nas suas funções, participando de uma outra expedição em 1636. Nessa ocasião, dirigiu-se ao Tape, no centro do actual estado do Rio Grande do Sul. Expulsos os jesuítas, os quais Raposo Ta­vares não suportava (e vice-versa), voltou a São Paulo, onde era considerado herói.
Entre 1639 e 1642, Raposo Tavares de­dicou-se a acções militares. Como capitão de companhia, integrou o contingente enviado do Sul para prestar socorro às forças sitiadas na Bahia. Em missão semelhante esteve em Pernambuco, onde tomou parte na longa batalha naval contra os holandeses. A última e maior de suas bandeiras, em busca de prata, iniciou-se em 1648 e durou mais de três anos. Foi o seu trajecto mais ambicioso e extenso, rumo ao extremo oeste, indo até ao coração da Amazónia, chegando à foz do rio Xingu.
A expedição, que percorreu 1O.OOOkm, saiu de São Paulo, seguiu pelo interior do continente, atravessou a floresta amazónica e chegou ao actual estado do Pará. Foi a segunda viagem de reconhecimento geográ­fico em território brasileiro. Raposo Tavares morreu na cidade de São Paulo, em 1658.

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